Superior Tribunal de Justiça: novas súmulas no campo penal.
O Superior Tribunal de Justiça é o órgão do Poder Judiciário responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. Isto é, para que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais (também conhecidos como 2ª instância) não decidam de formas distintas, o Superior Tribunal de Justiça analisa, em grau de recurso especial, se a aplicação das leis federais brasileiras sucedeu de forma escorreita pelas instâncias ordinárias.
Para tornar mais claro o seu entendimento acerca de certos assuntos, o STJ se vale de súmulas, as quais são compostas por verbetes que resumem entendimentos consolidados nos julgamentos da corte, o que se presta a conferir segurança jurídica quanto à análise de certas questões de direito e a orientar a sociedade e a comunidade jurídica a respeito da jurisprudência daquele tribunal de superposição.
Recentemente, na sessão do dia 13.09.2023, a Terceira Seção do STJ, especializada em direito penal, aprovou cinco novos enunciados sumulares, os quais versam a respeito de temas relevantíssimos no mundo do direito penal, quais sejam: crime de apropriação indébita tributária, dosimetria da pena e execução penal.
Assim foram formuladas as novas súmulas:
Súmula 658: O crime de apropriação indébita tributária pode ocorrer tanto em operações próprias como em razão de substituição tributária.
Súmula 659: A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.
Súmula 660: A posse, pelo apenado, de aparelho celular ou de seus componentes essenciais constitui falta grave.
Súmula 661: A falta grave prescinde da perícia do celular apreendido ou de seus componentes essenciais.
Súmula 662: Para a prorrogação do prazo de permanência no sistema penitenciário federal, é prescindível a ocorrência de fato novo; basta constar, em decisão fundamentada, a persistência dos motivos que ensejaram a transferência inicial do preso.
Percebemos que o STJ supriu lacunas importantes em temas diferentes e repetitivos que geravam dúvidas e insegurança jurídica aos jurisdicionados pelo Brasil afora. Alguns dos enunciados foram benéficos aos réus, outros nem tanto.
Passemos a uma breve e objetiva análise de cada uma delas:
SÚMULA 658: O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA PODE OCORRER TANTO EM OPERAÇÕES PRÓPRIAS COMO EM RAZÃO DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA.
O principal objetivo desse enunciado é dar clareza e afastar possíveis interpretações equivocadas quanto às expressões “descontado” e “cobrado” previstas no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, que tipifica o crime de apropriação indébita tributária, senão vejamos:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
De um modo geral, quando se lê que um tributo foi “descontado”, estamos diante da hipótese de “substituição tributária”, que é quando o agente responsável faz a retenção na fonte no momento do pagamento, porém não recolhe os valores ao fisco.
Por outro lado, a expressão “cobrado” diz respeito aos tributos indiretos (incluídas as “operações próprias”), em que o indivíduo responsável cobra a quantia de terceiros mas não a recolhe ao fisco.
A SÚMULA 659: A FRAÇÃO DE AUMENTO EM RAZÃO DA PRÁTICA DE CRIME CONTINUADO DEVE SER FIXADA DE ACORDO COM O NÚMERO DE DELITOS COMETIDOS, APLICANDO-SE 1/6 PELA PRÁTICA DE DUAS INFRAÇÕES, 1/5 PARA TRÊS, 1/4 PARA QUATRO, 1/3 PARA CINCO, 1/2 PARA SEIS E 2/3 PARA SETE OU MAIS INFRAÇÕES.
Essa súmula versa sobre o instituto jurídico do crime continuado[1], que é uma modalidade de concurso de crimes em que, por uma ficção jurídica, o legislador optou por considerar uma multiplicidade de condutas típicas como uma única infração, incidindo-se, por tal pluralidade fática, o aumento de 1/6 a 2/3 da pena.
Em termos práticos, quando um agente comete mais de um crime nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução e com unidade de desígnios para a prática de crimes da mesma espécie, o juiz, ao julgar o seu caso, ao invés de somar as penas de todas as ações, utilizará a pena de um dos crimes (se idênticos) ou a mais grave (se distintos), aumentada de 1/6 a 2/3.
A dúvida que existia – e hoje não existe mais – era como deveria ser calculada e aplicada a fração em cada caso concreto. A partir do entendimento sumulado, percebe-se que o cálculo da fração decorre justamente do número de infrações penais praticadas, em forma progressiva.
Ou seja: agora aplica-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.
SÚMULA 660: A POSSE, PELO APENADO, DE APARELHO CELULAR OU DE SEUS COMPONENTES ESSENCIAIS CONSTITUI FALTA GRAVE.
A finalidade desse enunciado é consagrar o entendimento de que, se for constatada a posse dentro de um estabelecimento prisional de aparelho celular ou dos seus componentes essenciais – configura-se falta grave[2], no âmbito da execução definitiva da pena.
O art. 50, inciso VII, da Lei de Execução Penal, ao tipificar as faltas disciplinares aos apenados, previa somente a posse quanto aos aparelhos telefônicos, vejamos:
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
A partir de agora, com a redação dessa nova súmula, o STJ supriu a lacuna da norma supracitada e pacificou entendimento de que a posse de todo e qualquer componente essencial para o funcionamento dos aparelhos telefônicos (como por exemplo chip, bateria, carregador etc.) também será considerada como falta grave.
A SÚMULA 661: A FALTA GRAVE PRESCINDE DA PERÍCIA DO CELULAR APREENDIDO OU DE SEUS COMPONENTES ESSENCIAIS.
A presente súmula também trata de execução penal e complementa a anterior. O STJ consolidou entendimento de que não é necessária a realização de perícia nos celulares (tampouco em seus componentes essenciais) apreendidos dentro dos estabelecimentos prisionais, para que seja configurada falta grave.
Portanto, a simples constatação da posse do aparelho celular é suficiente para caracterizar a falta grave, não sendo necessário realizar uma perícia para comprovar sua utilização ou funcionalidade, o que em termos práticos aumenta a rigidez nos presídios e dá mais celeridade aos atos punitivos.
SÚMULA 662: PARA A PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE PERMANÊNCIA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL, É PRESCINDÍVEL A OCORRÊNCIA DE FATO NOVO; BASTA CONSTAR, EM DECISÃO FUNDAMENTADA, A PERSISTÊNCIA DOS MOTIVOS QUE ENSEJARAM A TRANSFERÊNCIA INICIAL DO PRESO.
Pela Lei n. 11.671/08, foi implementado o Sistema Penitenciário Federal, que operacionaliza os estabelecimentos prisionais de segurança máxima.
Ocorre que o legislador não criou previsão legal que defina o prazo limite para a permanência do preso no presídio federal. Almejando resolver essa indefinição legal e afastar eventual insegurança jurídica, o STJ criou esse verbete sumular permitindo que os magistrados possam manter os presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima ainda que sem a ocorrência de fato novo, bastando decisão fundamentada que justifique a necessidade de permanência e indique dados concretos que justifiquem a excepcionalidade da medida.
Assim, essas são as nossas brevíssimas considerações a respeito dos novos enunciados editados pelo Superior Tribunal de Justiça, sempre reforçando a importância de os operadores do Direito se manterem atualizados em relação às súmulas criadas pelos tribunais superiores.
Como dito, são mecanismos jurídicos extremamente relevantes, visto que indicam posicionamentos relevantes sobre inúmeros temas específicos, facilitando a interpretação e aplicação das normas jurídicas, garantindo que os tribunais tenham coerência em suas decisões e gerem segurança jurídica ao meio social.
Para os advogados, é sempre necessário que eles se mantenham atualizados e em dia com seus estudos, para que não sejam “deixados para trás” pelos entendimentos jurisprudenciais itinerantes dos tribunais brasileiros.
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[2] Lembrando que a prática de falta grave gera graves consequências aos presos, como interrupção do prazo para progressão de regime e regressão de regime, conforme o art. 118, inciso I, da Lei de Execução Penal.
[1] Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, prática dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Código Penal)